Nos últimos dois dias (28 e 29 de setembro), Minas Gerais recebeu gestores de ex-colônias de hanseníase de nove estados brasileiros, totalizando 17 instituições com as mais diversas realidades e perfis assistenciais. O trabalho desenvolvido pelos mineiros, em especial pela Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), foi citado por vários palestrantes e convidados como modelo a ser seguido, não só pelo esforço de reintegração social, mas também pela remodelagem da vocação assistencial, abrindo novos serviços que garantam a perenidade das antigas colônias, hoje Casas de Saúde.

Crédito: Michelle Guirlanda

Artur Custódio Moreira de Sousa, que representa o Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan) no Conselho Nacional de Saúde, anunciou que a Linha de Cuidado apresentada pela Fhemig será levada ao Ministério da Saúde para deliberação em instâncias como a Comissão Intergestores Tripartite (CIT) e o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e, assim, criar formas para a criação de uma política nacional inédita no país.

A abertura do Encontro de Gestores de ex-Hospitais Colônias de Hanseníase aconteceu nesta quinta-feira (28) no Cineteatro Glória, Casa de Saúde Santa Izabel, em Betim, com a presença de autoridades locais e estaduais, de movimentos sociais e vários convidados da comunidade. O evento foi promovido pela Coordenação Geral de Hanseníase e Doenças em Eliminação, do Ministério da Saúde.

Na ocasião, o chefe de Gabinete da Presidência da Fhemig, Fernando Eduardo Guimarães de Carvalho, representando o presidente, Tarcisio Dayrell Neiva, apresentou os dados referentes às quatro Casas de Saúde administradas pela Fundação: Casa de Saúde Santa Izabel (Betim), Casa de Saúde Padre Damião (Ubá), Casa de Saúde Santa Fé (Três Corações) e Casa de Saúde São Francisco de Assis (Bambuí), além de explanar sobre as diretrizes do protocolo de Linha de Cuidado do Adulto e do Idoso das Casas de Saúde.

As quatro unidades ocupam juntas uma extensão territorial de 10 milhões de m2, onde abrigam uma população de 14 mil pessoas, entre descendentes de ex-pacientes e demais moradores, incluindo os 516 ex-pacientes de hanseníase remanescentes da antiga colônia. Diante desse quadro, a direção da Fhemig desenvolveu, gradativamente, a mudança do modelo hospitalocêntrico para o Lar Inclusivo. “A Fhemig vem empregando todos os esforços para a melhoria das condições de saúde de toda a comunidade das casas de saúde de Minas Gerais”, afirmou Fernando Carvalho.

As diretrizes adotadas pela Fhemig incluem a incorporação de todas as ex-colônias ao Sistema Único de Saúde - SUS (já efetivada em Minas), a criação de uma política para patrimônio histórico das instituições, execução de ações que promovam a reintegração da comunidade aos municípios que sediam as unidades e a regularização fundiária, melhorando as condições de vida da população e, ao mesmo tempo, respeitando a realidade de cada local.

Representando o Ministério da Saúde, a coordenadora Magda Levantezi ratificou que a escolha de Minas não foi por acaso: “Este Estado vem trabalhando com suas ex-colônias desde 2004 e apresentou avanços na assistência focada na saúde das pessoas, com um plano de cuidado individualizado elaborado pela Fhemig”.

A questão fundiária citada anteriormente foi abordada também pelo prefeito de Betim, Vittorio Medioli, que vem participando da elaboração do plano de regularização proposto pela Fhemig. “Somente aqui, em Santa Izabel, temos seis mil famílias descendentes dos ex-pacientes e que precisam se integrar, definitivamente, ao município. Além disso, a oferta de consultas especializadas na Casa de Saúde, por exemplo, desafogam consideravelmente a demanda da região, provando que atualmente, com a readequação de seu perfil, a unidade ainda é relevante à rede pública”, completou o prefeito.

Crédito: Michelle Guirlanda

Autoridades dos Direitos Humanos também contribuíram nas discussões da abertura do encontro. O secretário de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania (Sedpac), Nilmário Miranda, focou na articulação em busca de reparação para os filhos separados compulsoriamente de seus pais, situação comum nas antigas colônias. O secretário também anunciou a votação, na Assembleia Legislativa, sobre a criação da Comissão da Verdade nas ex-colônias para apurar a violação de direitos no passado. A sessão está marcada para o dia 2 de outubro.

O representante da Secretaria dos Direitos das Pessoas com Deficiência, do Ministério dos Direitos Humanos, Daniel Reis da Silva, homenageou as pessoas presentes e disse que “estamos buscando soluções para uma vida digna para todos”.

A Casa de Saúde Santa Izabel protagonizou o primeiro dia do evento. Cordovil Nevez (o Vila), morador da CSSI, lembrou que as colônias eram símbolos de exclusão que precisam ficar, cada vez mais, no passado. “Precisamos resgatar essa história, em nome de todos que por aqui passaram; não só pacientes, mas também trabalhadores e personagens inesquecíveis, como o Dr. Alcindo Amado Henriques (médico que atendeu por décadas na unidade), a Elke Maravilha e o Ney Matogrosso (os dois últimos participaram voluntariamente de campanhas e eventos de conscientização sobre a hanseníase). Hoje, temos que levar a luta da inclusão adiante, nós somos responsáveis por isso”, disse.

O diretor da CSSI, Getúlio Ferreira de Morais, concordou com Vila: “a pessoa não precisa apenas de tratamentos e medicamentos, mas principalmente da garantia de sua dignidade, com moradia e inclusão”.

A programação do primeiro dia incluiu ainda homenagens aos médicos da CSSI, Celso Campos e Reginaldo Biet, e ao diretor Getúlio Morais. Também aconteceram atividades culturais, como a apresentação do grupo de teatro Santa Colônia e do grupo de Congado da comunidade.

Linha de cuidado personifica atendimento e garante perenidade dos serviços

O assessor Tiago Possas, da Fhemig, abriu o segundo dia do encontro apresentando a Linha de Cuidado de Minas Gerais, “pensada para expressar os fluxos assistenciais seguros e garantidos ao usuário no sentido de atender às suas necessidades de saúde”. A parte assistencial da linha de cuidado está descrita no Protocolo Clínico nº 24, adotado pela Rede Fhemig, e ainda abrange diretrizes, metodologias e financiamento que foram explicados pelo palestrante.

Ele informou que o antigo modelo hospitalocêntrico, sustentado desordenadamente por Autorizações de Internação Hospitalar (AIH), hoje foi substituído em Minas por uma assistência integrada ao SUS, com serviços ofertados, não só voltados à reabilitação, como dispensação de órteses e próteses, fisioterapias e tratamento de lesões cutâneas, como ainda consultas especializadas e procedimentos terapêuticos diversos.

“Atualmente não existem mais pavilhões, mas lares inclusivos. Promovemos a autonomia e a independência dos usuários, libertando-os do modelo rígido de uma unidade hospitalar, o que, na maioria dos casos, não tem mais sentido”. Tiago lembrou que existe uma escala de cuidado de acordo com a necessidade de cada usuário, que varia de “robusto” a “frágil”, conferindo-lhes atenção adequada.

Os gestores presentes das ex-colônias de todas as regiões do país apresentaram no mesmo dia a situação de suas unidades, que contrastam diante das realidades locais e das políticas adotadas pelos Estados ao longo das últimas décadas.

Por ASCOM Fhemig