No início de maio, moradores do bairro Buritis ficaram assustados com o aparecimento de aranhas-armadeiras (gênero Phoneutria) em suas residências. Essa é uma ocorrência mais comum do que se imagina. Em função da pandemia, desde janeiro deste ano, a Fundação Ezequiel Dias (Funed) recebeu apenas 72 aranhas oriundas de várias regiões de Minas Gerais, muitas entregues pelos Centros de Zoonoses das prefeituras, outras entregues por moradores que as encontraram próximas ou no interior de suas residências. Dos animais recebidos, 64% são de importância médica e os acidentes com essas aranhas necessitam, na maioria dos casos, de atendimento hospitalar especializado.

Crédito: Divulgação Funed

Luana Varela, bióloga que trabalha no Aracnidário Científico da Funed, explica que o aparecimento desses animais em áreas urbanas ocorre à medida em que o crescimento e a expansão urbana avançam para ambientes próximos de matas, que são seus habitats naturais. “Lotes abandonado, com entulhos, lixo e materiais de construção são ambientes propícios para o aparecimento de aranhas. Considerando também que estamos na época de reprodução desses animais, os machos saem à procura das fêmeas para o acasalamento, aumentando a chance de contato com as pessoas”, explica a especialista.

A bióloga explica que a Funed realiza um importante trabalho de conscientização da população e divulgação científica por meio de programas de Popularização da Ciência, como o Funed na Escola e o programa Ciência em Movimento. Além disso, possui o Guia de bolso - Animais Peçonhentos, que aborda os animais peçonhentos de Minas Gerais. A instituição também disponibiliza materiais de divulgação periodicamente nas redes sociais da instituição, como o Falando em Bicho e o Descomplicada Ciência, prestando informações à população sobre esses animais.

As principais dúvidas são sobre a identificação do animal e o tamanho que ele pode atingir. Perguntas sobre o que fazer em caso de encontrar o animal, se eles são perigosos e se são venenosos também são frequentes. “Alguns têm dúvidas sobre o comportamento do aracnídeo. Outros perguntam qual o destino do animal, qual a finalidade de uso do veneno e sobre a importância de existir uma Coleção Científica de Aracnídeos”, conta Luana.

Thiago Soares, que também trabalha no Aracnidário Científico da Funed, conhece bem a rotina desses animais e recomenda que, caso alguém encontre essa aranha em casa (aranha-armadeira), deve evitar contato direto com o animal. “É importante acionar a equipe de Zoonoses da região, para orientação e possibilidade de captura do animal. E em caso de acidentes, procurar atendimento médico. Em Belo Horizonte, o Hospital João XXIII é referência para atendimentos que envolvem envenenamentos por animais peçonhentos”, orienta.

Thiago conta que, normalmente, as aranhas são entregues na portaria da Fundação pela população ou diretamente no Aracnidário Científico, quando as pessoas querem orientações ou esclarecimentos sobre os animais. O biólogo explica que é importante que a pessoa que coletou o animal forneça informações sobre o local de captura (endereço), data de coleta, nome do coletor ou doador. “Esses dados são importantes para determinar as regiões onde esses animais são encontrados, para um melhor direcionamento de estudos científicos específicos e para que sejam adequadamente incorporados nas Coleções Científicas de Aracnídeos da Funed”, detalha.

É importante destacar que, quando os animais estiverem vivos, devem ser armazenados em algum pote com tampa, bem vedado, com pequenos furos para que eles possam respirar e com um chumaço de algodão embebido em água. E devem ser entregues o mais rápido possível na Instituição. Depois de entregues na Fundação, os animais são individualizados e acondicionados em viveiros arejados e com disponibilidade de alimento (insetos) e água. São mantidos em salas com temperatura e iluminação controladas.

Parceiros da pesquisa

Na Funed, as aranhas e outros animais peçonhentos são parceiros fundamentais das pesquisas científicas desenvolvidas pela Instituição. Márcia Helena Borges, pesquisadora do Serviço de Proteômica e Aracnídeos (SPAR), explica que, como a quantidade de veneno obtida nas extrações é muito pequena, é importante manter o plantel de aranhas no Aracnidário Científico, a fim de obter uma produção de veneno satisfatória e possibilitar a continuidade das pesquisas desenvolvidas pela Instituição.

A pesquisadora acrescenta, ainda, que a sobrevida da maioria desses animais no laboratório é pequena, mas que mesmo após a morte, eles ainda são importantes, pois os exemplares são cedidos para as Coleções Científicas de Aracnídeos da Funed, que são utilizadas para o conhecimento da biodiversidade. “Muitos estudos taxonômicos, ecológicos, biogeográficos e genéticos desses animais são realizados devido à existência desses acervos. As Coleções também são usadas nas divulgações científicas voltadas para todo tipo de público e com fins didáticos e educativos”, lembra Márcia.

Na Funed, uma das importantes linhas de pesquisa que envolvem os venenos animais são as que buscam moléculas com potencial biotecnológico e que podem levar à obtenção de medicamentos. “Em nosso laboratório, realizamos o isolamento e a caracterização bioquímica, estrutural e funcional de diversos componentes de venenos que são, posteriormente, enviados para os nossos colaboradores que avançam nos estudos para melhor compreensão do potencial desses compostos derivados de venenos”, afirma a pesquisadora.

Um exemplo é o caso da pesquisa com o veneno da aranha-amadeira (Phoneutria nigriventer), uma aranha de importância médica, responsável pelo maior número de casos de acidentes no Brasil. Nos laboratórios da Funed, já foram isolados mais de 90 componentes desse veneno, dentre os quais foram identificadas moléculas com ação analgésica, antiarrítmica e potenciadora da função erétil. “A continuidade desses estudos tem contribuído para a compreensão do mecanismo de ação e, posteriormente, possibilitarão o uso dessas moléculas como modelos para o desenvolvimento de drogas com fins terapêuticos”, explica Márcia.

Além da aranha-armadeira, a Funed também realiza pesquisas com venenos de outras espécies de aranhas como as aranhas-caranguejeiras (Lasiodora sp.) e as aranhas-de-jardim (Lycosa sp.). Márcia conta que, apesar dessas duas últimas não serem considerados de importância médica, são animais que possuem veneno e seus componentes também são de interesse para os estudos de bioprospecção, podendo apresentar potencial analgésico, antimicrobiano, antiparasitário e antitumoral.

Outros animais

Além de receber aranhas capturadas pela população ou pelos serviços de Zoonoses, a Funed recebe exemplares de cobras e escorpiões, que ficam armazenados no Serpentário da Instituição. A principal recomendação, nesses casos, é só capturar o animal quando a pessoa tiver segurança e quando o animal oferecer algum risco às pessoas. Os animais devem ser transportados em um recipiente seguro. Não se deve retirar animais de um ambiente natural apenas para levar para a Funed.

Por Assessoria Funed