Junho ficou conhecido internacionalmente, desde 1970, como o mês do Orgulho LGBT, depois que a primeira marcha do orgulho foi promovida nos Estados Unidos pela comunidade de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transgêneros. Ao longo desses mais de 50 anos, a sociedade avançou em muitos quesitos e foi necessário estabelecer critérios e abordagens adaptadas às necessidades desse público, sobretudo no âmbito da saúde pública, para promover a igualdade.

Foto: Rafael Mendes

Minas Gerais foi um dos estados brasileiros que adotou medidas concretas para tornar o atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS) mais equânime. Desde 2016, a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) instituiu o Comitê Técnico de Saúde Integral da População LGBT, que teve papel crucial para a elaboração, implantação e monitoramento da Política Estadual de Saúde Integral LGBT, implementada em 2020.

A política tem como premissa promover a saúde integral deste público, combater a discriminação e o preconceito institucional, qualificar a rede estadual de serviços do SUS e os profissionais que atuam na saúde, de modo a proporcionar melhorias no atendimento ofertado nas Unidades Básicas de Saúde dos 853 municípios mineiros.

Fernanda Coelho representa as mulheres bissexuais no Comitê Técnico da Saúde Integral LGBT e integra o Conselho Estadual de Saúde como representante das pessoas usuárias LGBT. Ela explica que a criação do Comitê foi primordial para promover uma troca de informações frutífera entre as áreas técnicas e a sociedade civil, para que as especificidades desse público fossem contempladas e o atendimento fosse humanizado.

“A partir da instituição do Comitê, conseguimos construir uma política estadual de saúde integral LGBT. Avançamos, trazendo especificidades do nosso território que não eram abarcadas na política nacional e escrevemos os planos operativos dessa política. Não temos outro estado brasileiro com destinação de recursos específicos para implementação da política de saúde integral LGBT no âmbito da atenção primária e esse é o diferencial de Minas Gerais”, conta.

O Governo Estadual disponibilizou, em 2022, cerca de R$25 milhões para a implementação da Política Estadual de Saúde Integral LGBT em todo o território mineiro. Foram definidas normas de adesão, execução, acompanhamento e avaliação para destinação de incremento financeiro para as equipes de saúde da família dos municípios.

“Com esse recurso que os municípios têm à disposição para implementar a política, conseguimos ver na prática, em todas as regionais do estado, as formações e capacitações acontecendo”, explica Fernanda.

“Gestores e profissionais de saúde estão discutindo sobre a saúde da população LGBT, fazendo planos operativos municipais e criando comitês municipais de equidade, com participação popular, e todo esse processo impacta diretamente no acolhimento em saúde da nossa população. Às vezes, o nome social de uma pessoa não é respeitado, ou essa pessoa é lida como heterossexual quando é lésbica ou bissexual e é necessário humanizar o atendimento de modo que todos sejam reconhecidos e respeitados enquanto pessoas”, completa Fernanda Coelho.

Cadastro no SUS

Em 2023, a SES-MG publicou a Resolução nº 9.076/23 que define as regras de cofinanciamento da Política Continuada de Promoção da Saúde (Poeps), Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) e Políticas de Promoção da Equidade. O indicador 6 desta resolução representa mais um avanço para a população LGBT e mensura o percentual de Fichas de Cadastro Individual do e-SUS que tenham os campos de orientação sexual e identidade de gênero preenchidos corretamente.

O cumprimento do indicador está vinculado à disponibilização do recurso financeiro com o objetivo de incentivar as gestões municipais na qualificação e aprimoramento das equipes. Com o preenchimento adequado da ficha, será possível identificar a população LGBT atendida no território e adotar medidas para melhorar a organização da assistência, reduzindo a LGBTfobia.

Para possibilitar um atendimento equânime e mensuração correta dos dados dessa população nos territórios, o Ministério da Saúde atualizou a formatação da Ficha de Cadastro Individual do E-SUS em abril de 2024. Os campos de orientação sexual e identidade de gênero passaram a ter preenchimento obrigatório e o agente comunitário de saúde (ACS) precisa completar todas as informações referentes ao indivíduo para fazer o cadastro do SUS.

“Estamos conseguindo avançar no mapeamento da população LGBT no estado. As formações e capacitações que estão acontecendo são para sensibilizar os ACS quanto ao preenchimento dos campos da maneira correta. Assim, poderemos ter a dimensão do acolhimento em saúde que precisa ser feito. É necessário saber quem somos e quantos somos para que possamos pensar no avanço das ações de promoção à saúde”, destaca Fernanda Coelho.

Atuação do Comitê

Representantes de diversas áreas técnicas da SES-MG, das Secretarias de Estado de Educação e de Desenvolvimento Social, da Escola de Saúde Pública, dos movimentos sociais e de outras entidades fazem parte do Comitê Técnico de Saúde Integral da População LGBT, que realizou sua 19ª Reunião Ordinária na última sexta, 21/6, na Escola de Saúde Pública, em Belo Horizonte. Os encontros são realizados quadrimestralmente e neles são apresentadas e discutidas as ações que serão executadas no âmbito da política estadual.

De acordo com Milena Leão Rago, referência técnica da Coordenação de Saúde Indígena e Políticas de Promoção da Equidade em Saúde da SES-MG, o plano operativo da política prevê todas as ações que vão ser executadas ao longo de três anos e nas reuniões são apresentados os monitoramentos dos indicadores e as decisões são amadurecidas.

“O plano operativo da política foi revisado e começou a ser executado neste ano. Na reunião, apresentamos a resolução sobre o cofinanciamento para os membros do comitê e o primeiro monitoramento dos indicadores de 2024. A resolução traz dois indicadores voltados para a população LGBT: o de ações de equidade em saúde, para promover igualdade no território, exaltar os comitês municipais de equidade e garantir a participação social, o conhecimento do território e os diagnósticos situacionais. E o outro indicador é referente ao preenchimento adequado dos campos da ficha de cadastro individual no SUS, para garantir que as perguntas sejam feitas para a população, de forma a identificar e mensurar onde está a população LGBT em Minas e quantos são”, explica.

“Precisamos nos esforçar para que todos, principalmente, os profissionais da saúde pública, sejam orientados e capacitados para universalizar o SUS e garantir o acesso da população LGBT de forma adequada e humanizada em todas as regiões do nosso estado”, ressalta Milena Rago.

Na reunião, também foram apresentadas as atualizações normativas do Ministério da Saúde para um atendimento mais equânime da população LGBT no SUS. Além da obrigatoriedade do preenchimento correto da ficha, foi apresentada a Portaria SAES/MS nº1.693/2024, que altera a classificação de gênero para 269 procedimentos realizados pelo SUS, tornando-os acessíveis a pessoas de ambos os sexos.

Segundo Fernanda Coelho, é importante pensar no atendimento da população LGBT de forma integrada, levando dados científicos e as especificidades desse público em consideração para elaborar e aprimorar as políticas públicas.

“Durante a reunião do Comitê, conversamos muito sobre a importância de ter campanhas direcionadas para essa população. Temos dados internacionais que mostram que mulheres bissexuais praticam menos atividade física e que a população LGBT, de forma geral, tem índices maiores de consumo de tabaco e álcool e isso pode impactar de maneira negativa na vida dessas pessoas. Por isso é importante pensar em estratégias e políticas abrangentes e precisamos ter sempre essa perspectiva de saúde como direito, de forma equânime, vendo a individualidade de cada um e humanizando o tratamento das pessoas, para trazer o SUS que a gente merece para toda a população de Minas Gerais”, aponta.

Atuação nas regionais

No dia 20 de junho, foi realizado o Primeiro Seminário LGBTQIAPN+ do município de Pirapora, com a participação de servidores da Subsecretaria de Redes de Atenção à Saúde da SES-MG.

O evento foi realizado pela Prefeitura e pela Gerência Estadual de Saúde de Pirapora com o objetivo de trabalhar a inclusão da população LGBT nas políticas públicas. Estiveram presentes gestores e trabalhadores do SUS, membros de movimentos sociais e da população do município.

Na oportunidade, foram apresentados o cofinanciamento da Política de Promoção à Saúde e Política de Saúde Integral da População LGBT, bem como os indicadores de acompanhamento da política nos 853 municípios mineiros.

Por Poliana Góis