Segunda-feira, 2 de janeiro de 2017: o ano mal começava e, já no primeiro dia útil, a movimentação na Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) se voltava para o quadro de saúde de quatro pacientes internados no município de Ladainha, próximo a Teófilo Otoni, com quadro clínico compatível com o de dengue.

Dois dias depois, no dia 4 pela manhã, o quadro de saúde desses pacientes se acentuou e os sinais clínicos e laboratoriais indicavam uma doença de maior gravidade. Pelo Sistema SUS Fácil, em que os pacientes estavam cadastrados, as áreas de Vigilância em Saúde e Regulação da SES-MG podiam acompanhar a evolução do quadro clínico e tomar as medidas necessárias.

“Os sinais desses pacientes não eram mais compatíveis com dengue. Além de sangramentos, observamos uma evolução muito aguda e alterações laboratoriais sugestivas de uma doença mais grave”, contou o subsecretário de Vigilância e Proteção à Saúde, Rodrigo Said que, juntamente com profissionais da subsecretaria de Regulação, monitoravam atentamente os pacientes pelo SUS Fácil e levantaram, pela primeira vez, a possibilidade da ocorrência de Febre Amarela.

Crédito: Marcus Ferreira / SES-MG.

“Nós sempre preconizamos esse monitoramento da Central de Leitos. No caso da hipótese de Febre Amarela, por ser uma doença muito grave e pela necessidade de internação dos pacientes, é uma importante ferramenta para a Vigilância em Saúde”, ressaltou Rodrigo Said. O subsecretário reforçou, ainda, que é possível identificar a doença por meio da avaliação do quadro clínico ou da Classificação Estatística Internacional de Doenças (CID). Segundo Said, uma leitura mais atenta do Sistema SUS Fácil pode ser assim, mais um instrumento para detectar precocemente a ocorrência de doenças mais graves.

Primeiras medidas

Após esse monitoramento, a primeira ação tomada pela SES-MG foi orientar os profissionais de saúde do município de Ladainha para a hipótese de ocorrência de Febre Amarela e para a necessidade de encaminhamento, o mais rápido possível, desses pacientes para uma unidade de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) de maior complexidade.

“Ainda no dia 4 de janeiro, sugerimos para o laboratório da Fundação Ezequiel Dias (Funed/IOM), que é nossa referência no Estado, avaliar as amostras coletadas no final de dezembro e nos primeiros dias de janeiro das regiões de Teófilo Otoni e Caratinga. Essas amostras eram suspeitas de dengue e apresentaram resultados negativos para a doença. Pedimos então que fossem feitos os testes para Febre Amarela”, contou Rodrigo Said. Nas 20 primeiras amostras testadas, já nessa primeira semana, 16 foram confirmadas sorologicamente para Febre Amarela. “Esse resultado fundamentou nossa suspeita e possibilitou reorganizarmos nossas ações juntamente com os municípios, focando não mais em dengue e sim em Febre Amarela”, ressaltou o subsecretário.

Paralelo a esse cenário, Rodrigo Said conta que no mesmo dia 4 de janeiro, houve registro e notificação das epizootias (morte de primatas não-humanos), tanto em Caratinga, quanto nos municípios próximos a Teófilo Otoni, o que reforçou, mais uma vez, a suspeita de Febre Amarela. Atento a esse quadro atípico logo na primeira semana do ano, o secretário de Estado de Saúde, Sávio Souza Cruz, quando soube que a medida mais eficaz para controle da doença seria por meio da vacina, se adiantou para comprar os insumos necessários para uma vacinação em grande escala. “Eu perguntei ao subsecretário Rodrigo Said se tínhamos seringas para vacinar toda a população não imunizada contra a Febre Amarela e ele disse que não. Então eu disse para comprar todas as seringas disponíveis. E nós compramos cinco milhões de seringas”, contou o secretário. Sávio Souza Cruz ressaltou também que, com o estoque de seringas que Minas Gerais passou a ter, foi possível emprestar para o estado vizinho do Espírito Santo quando o surto começou por lá. 

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Logística da vacinação

Vencida a etapa dos insumos, foi a vez de voltar a atenção para as características da vacina em sim. “A vacina da Febre Amarela, por ser termosensível, não suporta uma variação muito brusca de temperatura. Como sabemos que os Centros de Saúde têm limitação para estocar vacinas refrigeradas, nós tínhamos que reabastecer quase que diariamente os municípios com novas doses”, disse. Para isso, o secretário requisitou todos os veículos frigoríficos disponíveis para fazer esse transporte. No caso dos municípios com acesso mais difícil, a Polícia Civil cedeu helicópteros que facilitaram a logística de distribuição das vacinas. “E, dessa forma, nós conseguimos uma vacinação recorde. Alcançamos cerca de um milhão e meio de doses de vacinas distribuídas em pouco mais de uma semana, em uma área maior que a maioria dos países da Europa. Esse número não encontra precedentes”, frisou o secretário Sávio.

Outras ações tomadas pela SES-MG para conter o surto de Febre Amarela foi mobilizar as equipes da SES-MG para os municípios sede de quatro regionais do estado, onde os casos estavam aumentando com maior frequência: Teófilo Otoni, Coronel Fabriciano, Manhumirim e Governador Valadares. “Eu desloquei um subsecretário para cada um desses municípios com a função de centralizar as ações. Meu objetivo era evitar que as autoridades locais tomassem decisões contrárias às das nossas áreas técnicas”, contou Sávio Souza Cruz. Com o intuito de aumentar o número de enfermeiros para vacinar toda a população, o secretário fez contato com a Polícia Militar e com a Polícia Civil, que enviaram seus profissionais diretamente para o Leste de Minas. Essa parceria ampliou o quantitativo de enfermeiros nos Centros de Saúde, o que possibilitou utilizar as salas de consulta ociosas como salas de vacinação, diminuindo assim as filas.

Hospitais de referência

O secretário também destacou as parcerias realizadas para definição de fluxos de atendimentos, inclusive com abertura de novos leitos, em hospitais de referência nas principais regiões afetadas pela Febre Amarela, sendo esses: Hospital Santa Rosália e Hospital Bom Samaritano, na região de Teófilo Otoni; Hospital Nossa Senhora Auxiliadora e Casa de Assistência à Saúde Unec, do município de Caratinga; Hospital Márcio Cunha, no município de Ipatinga; Hospital César Leite, em Manhuaçu; e Hospital Eduardo de Menezes, em Belo Horizonte. “O desempenho da SES-MG no controle do surto de Febre Amarela foi digno de registro e de orgulho para todos nós mineiros”, concluiu Sávio. Abaixo, assista o vídeo com a mensagem do secretário de Saúde sobre o trabalho realizado durante o surto de Febre Amarela no estado:

Parcerias com as Regionais

Nas Regionais de Saúde atingidas pela doença, o processo de organização e investigação epidemiológica dos casos também começou nos primeiros dias do ano. Em Teófilo Otoni, município vizinho a Ladainha, a equipe da Regional recebeu, já no dia 10 de janeiro, técnicos do Programa de Treinamento em Epidemiologia Aplicado aos Serviços do SUS (Episus) para auxiliar na investigação epidemiológica dos casos suspeitos. “Foi um momento de grande aprendizado, que nos possibilitou o levantamento de informações imprescindíveis para o correto encerramento dos casos pela Diretoria de Vigilância Ambiental do Nível Central da SES-MG. Acreditamos que o processo de investigação contribuiu enormemente para o controle do agravo”, ressaltou Fernanda Pires, referência técnica do Núcleo de Epidemiologia da Regional de Saúde de Teófilo Otoni.

Ainda na região de Teófilo Otoni, foram definidas diversas equipes de trabalho compostas por técnicos da Vigilância Epidemiológica, Atenção Primária, Auditoria, Vigilância Sanitária e Núcleo de Redes. “Verificamos muita disposição de todos os técnicos em participar das atividades de investigação. Esse processo de integração entre os setores e o desenvolvimento de um trabalho em equipe foi o principal legado e, com isso, foi possível identificar que temos parceiros que podemos contar em um momento de crise. Isso é muito enriquecedor”, frisou Poliana Marçal, também referência técnica do Núcleo de Epidemiologia da Regional.

Trabalho de campo

Já na Regional de Saúde de Coronel Fabriciano, a movimentação maior teve início no dia 7 de janeiro. “Constatamos no Córrego dos Manducas, na zona rural de Imbé de Minas, epizootia de três primatas não-humanos. Como já havia casos humanos suspeitos de Febre Amarela em investigação, mobilizamos a equipe regional e municipal e, imediatamente, informamos o Nível Central da SES-MG sobre a ocorrência das epizootias. Levantamos os materiais e equipamentos mínimos necessários para a realização do trabalho, como câmeras fotográficas e GPS, e partimos para o trabalho de campo”, relatou o enfermeiro e referência técnica em Zoonoses e Vigilância em Saúde Ambiental da Regional de Coronel Fabriciano, Fabiano Martins.

O georreferenciamento executado pela equipe de vigilância em epizootias, composta por Fabiano e Manoel Carlos, referência técnica em Zoonoses e Vigilância em Saúde Ambiental, também da Regional de Coronel Fabriciano, consistiu na demarcação de pontos onde ocorreu o evento, por meio de um aparelho GPS. “Foi um trabalho importante, pois permitiu realizar análises espaciais observando informações como clima, cobertura vegetal, uso do solo, hidrografia, entre outros aspectos”, ressaltou Fabiano. A atividade foi realizada de forma intensiva, no período de alta transmissão, durante 45 dias ininterruptos.

Crédito: Marcus Ferreira / SES-MG.

“Construímos rapidamente, via WhatsApp, telefone e e-mails, uma rede de informações sobre a ocorrência de epizootias. Tínhamos fontes potenciais, como moradores da zona rural, das cidades, profissionais de saúde e autoridades políticas locais. Todos estavam assustados com o cenário e demostravam vontade de contribuir de alguma forma”, revelou Fabiano. Diante da necessidade de constatar a veracidade das informações e qualificar a informação, era necessária uma atuação in loco. O trabalho exigia encontrar o primata morto, incluindo ossadas, ou doente, e coletar material com qualidade necessária para posterior análise.

“Foi um trabalho árduo, que exigiu disciplina e persistência. Além do desgaste físico e emocional, tínhamos que lidar com riscos iminentes o tempo todo, como acidentes com animais peçonhentos e contato com diversos tipos de vetores. No final do dia, tínhamos que registrar as atividades desenvolvidas e atualizar as planilhas para dar sequência ao trabalho”, contou Fabiano.

O técnico reforçou ainda a importância da parceria com profissionais do município de Caratinga para o desenvolvimento das atividades, dos agentes de combate a endemias dos municípios, que auxiliaram nos trabalhos de busca no interior das matas, dos moradores locais, conhecidos como mateiros, além da colaboração direta de servidores da Regional de Divinópolis da SES-MG e de profissionais de diversos estados brasileiros que, mesmo distantes, contribuíram para o processo. Abaixo, assista aos vídeos com os depoimentos das referências técnicas Fabiano e Manoel sobre o trabalho executado na região:

Alerta permanente

Em 2017, até o dia 11 de dezembro, foram confirmados 435 casos de Febre Amarela no Estado. Para o enfrentamento da doença, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece gratuitamente a vacina por meio do Calendário Nacional de Vacinação nas Unidades Básicas de Saúde.

Atualmente, a cobertura vacinal acumulada de Febre Amarela no Estado de Minas Gerais está em torno de 81% e a meta é alcançar a cobertura de 95%. Ainda há uma estimativa de 3.788.631 não vacinados, principalmente na faixa-etária de 15 a 59 anos, que também foi a mais acometida pelo surto. Saiba mais sobre a doença em: www.saude.mg.gov.br/febreamarela

Por Ana Paula Brum