Em janeiro deste ano, a revista científica Parasitology Research divulgou um artigo, elaborado pela Fundação Ezequiel Dias (Funed), que avaliou cerca de 30 mil ensaios realizados ao longo de 10 anos para o diagnóstico da leishmaniose visceral (LV). O objetivo desse levantamento foi avaliar o desempenho de diversos ensaios diagnósticos de LV e propor um fluxo diagnóstico com base no desempenho, praticidade e invasividade.

ASCOM Funed

No final de agosto, depois de oito meses de tratativas com diferentes órgãos, o Ministério da Saúde (MS) publicou uma nota técnica (anexar PDF da nota) que define o teste rápido como o primeiro e único ensaio sorológico e suspende o uso da Reação de Imunofluorescência Indireta (RIFI), técnica utilizada desde a década de 1960, seguindo as diretrizes propostas pelo estudo da Funed.

De acordo com o pesquisador da Funed, Job Alves de Souza Filho, que esteve à frente desse estudo, desde a publicação do artigo houve um impacto significativo na área de diagnóstico da LV. “Pela primeira vez, foi evidenciado cientificamente a eficácia de cada ensaio utilizado na rotina de diagnóstico da doença no Laboratório de Referência”, ressalta.

Os resultados divulgados no estudo foram apresentados ao Ministério da Saúde e serviram como base científica para questionar o uso da Reação de Imunofluorescência Indireta (RIFI) em território nacional e para mostrar a importância do exame PCR em sangue em pacientes com diferentes faixas etárias. Além disso, o estudo mostra os efeitos da repetição de ensaios e destaca o potencial do uso do teste rápido.

A chefe do Serviço de Doenças Parasitárias da Funed, Letícia de Azevedo Silva, conta que, a partir dos resultados do estudo, foram realizadas várias reuniões e discussões para determinar como implementar essa mudança. “As tratativas para a implementação do novo fluxo de diagnóstico da leishmaniose visceral foram conduzidas com o Laboratório de Referência Nacional em Diagnóstico de Leishmaniose Visceral. Assim, a apresentação dos resultados ao MS e à Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) foi um passo crucial para a modernização do fluxo de diagnósticos. Estamos confiantes de que essa mudança trará melhorias significativas na detecção e tratamento da leishmaniose visceral no Brasil”, reforça.

O que muda

Com a nota técnica divulgada na última semana pelo Ministério da Saúde, algumas mudanças já estão sendo implementadas nos laboratórios públicos que realizam testes para diagnóstico da leishmaniose visceral. Uma delas diz respeito ao fornecimento da Reação de Imunofluorescência Indireta (RIFI) para os Laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacens), que foi suspenso imediatamente.

Quanto às outras etapas do fluxo, como a implementação da PCR, cabe a cada estado se adequar para oferecer o melhor diagnóstico possível. Já os testes rápidos, que são o primeiro ensaio recomendado e resolvem cerca de 95% dos diagnósticos, são hoje fornecidos pelo Ministério da Saúde.

No caso da Funed, alguns pontos desse novo fluxo já haviam sido incorporados na rotina. “Outras adequações, no entanto, como a repetição de testes e a redução na necessidade do diagnóstico em amostra de medula óssea, ainda precisam ser mais disseminados. Para isso, nossa intenção é discutir com a SES-MG a elaboração de uma nota técnica estadual para detalhar o fluxo de diagnóstico no estado”, acrescenta Letícia.

Sobre a doença

As leishmanioses são zoonoses, ou seja, doenças infecciosas naturalmente transmitidas entre pessoas e animais. Por meio da picada de fêmeas do inseto vetor infectado, denominado flebotomíneo e conhecido popularmente como mosquito palha, asa-dura, tatuquiras, birigui, dentre outros, o parasita infecta o homem. Os agentes etiológicos das leishmanioses são os protozoários do gênero Leishmania. As principais formas de manifestação são leishmaniose tegumentar (LT), que afeta principalmente a pele e mucosas, e a leishmaniose visceral (LV), que é a forma mais grave e atinge os órgãos internos, principalmente baço, fígado e medula óssea.

Embora a LT seja a mais frequente no país, a LV é a que mais preocupa devido à sua alta letalidade, acima de 90% se não tratada adequadamente e em tempo hábil. A forma visceral é caracterizada por uma doença crônica e sistêmica, tendo como principais sinais e sintomas clínicos a febre prolongada, emagrecimento, aumento do baço e do fígado, perda de peso, anemia e outras manifestações. “A leishmaniose visceral está disseminada em todo o território nacional, sendo necessário haver diagnóstico em todos os Lacens. Infelizmente, ainda existe subnotificação da doença e falta de diagnóstico adequado em muitos lugares. Esperamos que esse novo fluxo colabore com a implementação de diagnósticos adequados em locais onde ainda não são realizados”, ressalta o pesquisador da Funed, Job Alves.

Desdobramentos da pesquisa

O estudo desenvolvido na Funed é exemplo de como a pesquisa pode trazer benefícios para a população. “A pesquisa aplicada é, para mim, a forma mais gratificante de trabalho como pesquisador, pois podemos ver o fruto do nosso esforço e sentir que estamos realmente fazendo a diferença. No caso da leishmaniose visceral, a oferta de um método de diagnóstico mais eficaz para uma doença altamente letal pode realmente salvar vidas”, acrescenta Job.

Ainda segundo o pesquisador, esse é apenas um exemplo do potencial do que pode ser realizado na Fundação. “Como instituição de pesquisa, aliada ao Lacen, que exerce referência nacional e estadual para diversas doenças, temos a capacidade de influenciar e melhorar protocolos de diagnóstico em todo o país. A pesquisa aplicada na Funed demonstra como a ciência pode ter um impacto direto e positivo na saúde pública, reforçando a importância de continuar investindo em inovação e desenvolvimento científico”, enfatiza.

Por ASCOM Funed