Antes mesmo de serem identificados os sintomas da “síndrome” que afetou alguns pacientes, no final do ano passado, como sendo uma intoxicação exógena por dietilenoglicol, o Serviço de Toxicologia do Hospital João XXIII estava mobilizado para oferecer suporte técnico aos profissionais de saúde que recebiam os casos.

O coordenador Adebal de Andrade conta que essa intoxicação é rara no mundo e era um tema totalmente novo para todos no país. As características da substância e a dificuldade de percebê-la também foram obstáculos ao diagnóstico: “O dietilenoglicol não tem sabor quando adicionado a outro líquido, como a cerveja. Também não tem cor, não dá para notar a diferença somente visualizando o recipiente”, explica o médico.

Evolução dos quadros clínicos por intoxicação por dietilenoglicol

O dietilenoglicol é extremamente tóxico e pode ser absorvido pela pele, por inalação ou por via digestiva. Quando é ingerido, cai rapidamente na corrente sanguínea pode afetar o sistema nervoso central, o fígado e os rins principalmente. Adebal relata que os primeiros sintomas observados nos pacientes foram no trato gastrointestinal: náuseas, vômitos, dores abdominais e na região lombar.

Cred-Marcus-Ferreira-

Entre três e quatro dias depois, começa o comprometimento dos rins - o volume de urina diminui e, em alguns casos, até para de urinar completamente, evoluindo para a insuficiência renal. A terceira fase é a partir do 8º dia, quando aparecem sinais de comprometimento neurológico: fraqueza muscular generalizada, principalmente nos membros superiores, inferiores, na região cervical e nas pálpebras. O paciente tem dificuldade até mesmo para deglutir.

Tratamento

O médico diz que a maioria dos casos evolui de forma satisfatória depois de identificada a intoxicação e iniciado o tratamento em tempo hábil. Podem acontecer complicações neurológicas tardias, após 4 a 6 semanas; por isso, os casos estão sendo acompanhados. Sequelas, como insuficiência renal crônica podem ocorrer.

O antídoto para o dietilenoglicol disponível no Brasil é o etanol. O coordenador da Toxicologia alerta que o tratamento deve ser prescrito e administrado somente em ambiente hospitalar, por ser tratar de uma solução especial, por via intravenosa e com controle de dosagem por paciente. “Doses de outras bebidas contendo etanol pode atenuar o quadro da intoxicação, mas nestes casos o paciente deve procurar assistência médica”. A intoxicação pode acontecer pela quantidade (1 mL por Kg da substância pura), mas também parece depender da resposta do organismo de cada paciente.

A primeira epidemia de intoxicação por dietilenoglicol aconteceu em 1937, nos Estados Unidos, quando uma empresa farmacêutica utilizou a substância como solvente de medicamentos. Até então, não se sabia de sua toxicidade. Outros acidentes foram verificados na Índia, no Panamá, na Nigéria, na Argentina, Áustria e Bangladesh. Porém, é a primeira vez que foram notificados casos de intoxicação por dietilenoglicol relacionados à cerveja no Brasil.

Casos surgiram no final de dezembro em Minas

No final do ano passado, começaram a surgir casos de insuficiência renal aguda e alterações neurológicas que mobilizaram a saúde mineira. Os casos foram inicialmente notificados ao Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (CIEVS Minas) e tratados como “síndrome nefroneural”. 

A procura pelo diagnóstico e, consequentemente, pelo tratamento, reuniu os esforços da rede de saúde, incluindo vários hospitais privados da capital, a Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG), a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), a Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (SMS-BH), o Ministério da Saúde e a Polícia Civil. No dia 10 de janeiro, a Polícia Civil emitiu o laudo que comprovou a presença da substância tóxica dietilenoglicol nas cervejas da marca Belorizontina. Até o dia 21 de janeiro, eram 21 casos suspeitos (sob investigação) e quatro confirmados, segundo o boletim da SES-MG.

Mais informações e boletins dos casos, acesse: www.saude.mg.gov.br/intoxicacaodeg

Por Michèlle de Toledo Guirlanda

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