Usuários do Ambulatório Multidisciplinar Especializado no Processo Transexualizador (Ametrans), do Hospital Eduardo de Menezes (HEM), também conhecido como Ambulatório Anyky Lima, terão acesso a cirurgias de adequação de gênero a partir do ano que vem. A instituição se prepara para a oferta, por meio de processo de habilitação, que requer parecer favorável da Secretaria Municipal de Belo Horizonte. A expectativa é que, em 2020, o serviço deverá ser disponibilizado. O anúncio foi feito pelo presidente da Fhemig, Fábio Baccheretti Vitor, durante comemoração dos dois anos do serviço na última quinta-feira (28/11).

“Meu papel é fortalecer e dar todo o subsídio que o ambulatório precisa”, enfatizou o presidente. Ainda segundo Fábio, a linha de cuidado destinada à saúde integral da população transexual e travesti será fortalecida com a produção de protocolos específicos pela Fhemig, em sintonia com as diretrizes do Ministério da Saúde e em integração com o município. As cirurgias, que deverão ser realizadas pelo Hospital Júlia Kubitschek, também pertencente à Rede Fhemig, irão abranger masculinização e feminilização de tórax, correção de pomo-de-adão, prótese de mama e retirada de útero e ovários.

Visibilidade, inserção e assistência

A diretora do HEM, Virgínia Andrade, ressaltou que um dos objetivos do ambulatório trans é criar visibilidade, além de “dar assistência e crescer cada vez mais para que um número maior de pessoas possam ser atendidas”.

Desde sua criação, em novembro de 2017, até novembro deste ano, o ambulatório realizou aproximadamente três mil consultas e atendeu mais de 500 usuários, entre homens e mulheres transexuais, travestis e outras expressões de gênero, procedentes de 66 municípios mineiros. O atendimento, que é realizado por equipe multidisciplinar, contempla as clínicas de psicologia, serviço social, psiquiatria, clínica médica, ginecologia e endocrinologia.

Créditos: Alexandra Marques

O serviço assegura à população transgênera e travesti mais que a garantia do acesso à saúde, possibilita a esse grupo de indivíduos a ampliação de sua inserção social. O homem trans René Augusto, usuário do ambulatório desde setembro de 2018, conta que “era apenas mais um homem trans perdido por aí. Eu tinha vários problemas de saúde pelo uso de hormônios sem orientação. No primeiro dia no ambulatório, eu não acreditei. Perguntaram como eu queria ser chamado. Pela primeira vez, fui respeitado e reconhecido como eu sou. Isso aqui é uma mudança fundamental para mim. Digo às pessoas para ligarem para o ambulatório, pois elas vão conhecer o paraíso”, afirmou André.

A mulher trans Yara de Almeida experimentou algo semelhante. Ela é atendida pelo ambulatório há um ano e três meses. “Antes, eu estava perdida, não sabia que rumo tomar. Com o ambulatório, aprendi uma grande lição, quero continuar aqui por muito tempo. O ambulatório é 50% da minha felicidade, os outros 50%, vou conquistar”, revelou Yara.

De acordo com a coordenadora técnica do ambulatório, a psicóloga e doutora na temática da transgeneridade, Andreia Reis, na primeira consulta, 78% dos homens transexuais manifestam o desejo de submeterem-se à mastectomia masculinizante. No caso das mulheres transexuais, 59% afirmam que pretendem realizar implante de prótese mamária bilateral.

A médica infectologista Thaysa Drummond dirigia o HEM quando o ambulatório trans foi criado. Ela participou ativamente de todo o processo de abertura do serviço. “Não foi uma discussão fácil, a criação desse ambulatório é mérito de muitas pessoas. O começo foi difícil, tivemos que lutar contra muitos preconceitos. Vários municípios sequer reconheciam a existência de pessoas trans em seus territórios. É importante que o papel de protagonista do ambulatório se mantenha e se fortaleça.”, ressaltou Thaysa.

Consenso

A comemoração do segundo aniversário do serviço reuniu representantes de diversos órgãos municipais e estaduais, de movimentos sociais, conselhos de classe, instituições acadêmicas, usuários e profissionais do ambulatório, dentre outros, que discutiram sobre ações na rede pública para o atendimento à diversidade de gênero e participaram do primeiro seminário sobre saúde integral de pessoas transgêneras.

Para a ativista da causa trans, Anyky Lima, que empresta seu nome ao ambulatório, e que também é uma de suas primeiras usuárias, não apenas o grupo do ambulatório, como os profissionais de todo o Hospital Eduardo de Menezes acolhem muito bem a população LGBT. “As pessoas ligam para mim para dizerem que estão satisfeitas e felizes com o ambulatório. O projeto é maravilhoso, é o que a gente precisava”, assegurou a ativista.

A Promotora de Justiça de Defesa da Saúde, Josely Ramos, acredita que o ambulatório trans é um marco. Segundo ela, “o Sistema Único de Saúde avança mais que a sociedade em que vivemos. O que o SUS tem de legado é a inclusão política e esse legado ninguém vai retirar. O ambulatório precisa transbordar e, junto com ele, toda a ousadia que tivemos. Ele garantiu segurança, cidadania e acesso ao sistema de saúde. Nós precisamos avançar para que o ambulatório possa se fortalecer”, propôs Josely.

O defensor público, da Defensoria Pública de Minas Gerais, Vladimir Rodrigues, afirmou que recebe feedbacks extremamente positivos sobre o atendimento que o ambulatório trans realiza. “O serviço que vocês prestam é um divisor de águas na vida dessas pessoas. Eu sou fã do trabalho de vocês”, sublinhou.

Rhany Mercês, mulher trans, ativista do movimento social e integrante do Comitê Técnico Estadual para a Saúde Integral da População LGBT, destacou que a violência institucional impede que a população transexual acesse os serviços públicos de saúde.

“O ambulatório trans mudou isso, poucas políticas para a população trans se tornam efetivas, e o ambulatório vem se mantendo. Ele é o primeiro passo para que novas políticas e serviços se estruturem e tem sido exemplo para outras iniciativas que se baseiam em sua experiência. Ele legitima nossa existência e identidade, temos que lutar para que ele cresça e se multiplique”, defendeu Raní.

Por Alexandra Marques / Fhemig