Por muito tempo, falar sobre suicídio era um grande tabu entre as pessoas e assunto proibido entre os meios de comunicação. Isso porque havia a suspeita de que o suicídio fosse contagioso e que a mídia e a exposição sensacionalista ajudassem a propagá-lo. Conhecido como efeito Werther, o termo foi designado pelo sociólogo David Phillips em 1974 para definir o efeito imitativo do comportamento suicida. Sua origem vem da obra “Os sofrimentos do jovem Werther”, do escritor alemão Wolfgang von Goethe, em que o protagonista se suicida por amor. Após sua primeira publicação, em 1774, teria ocorrido na Europa uma onda de suicídios, atribuída à influência do personagem.

Atualmente, diante do aumento expressivo do número de óbitos por suicídio, bem como das tentativas de suicídio em âmbito global, faz-se necessário abordar a questão de forma ampla e multidisciplinar. Foi pensando nisso e nos acidentes de trânsito, corriqueiros no dia a dia das cidades e rodovias, que a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), em parceria com o Departamento de Edificações e Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DEER-MG) promovem o I Seminário Estadual de Causas Externas, nos dias 18 e 19 de setembro. Como causas externas de morbidade e mortalidade, estão os acidentes e as violências.

Nesta quarta-feira (18/9), primeiro dia do seminário, o tema foi Suicídio e tentativa de suicídio: conceito, cenário epidemiológico e abordagem. Para o subsecretário de Políticas de Atenção à Saúde da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), Marcílio Dias Magalhães, as causas externas já são um problema de saúde pública. “São muitos os atores e as variáveis que interferem sobre o tema e nós só vamos conseguir evoluir conversando e trocando experiências a exemplo do que será feito durante o Seminário”, afirmou.

Segundo Jordana Costa Lima, superintendente de Vigilância Epidemiológica da SES-MG, as causas externas têm uma grande importância pelos números que elas representam. “São dados bem significativos, que inclusive estão à frente de muitos agravos que hoje em dia repercutem mais fortemente na mídia, como o sarampo ou da dengue. É muito importante que a gente preserve todo o processo de trabalho, que deve ser realizado entre parceiros, e que nos exige, enquanto SUS, inovar”, acrescentou. A exemplo disso, os dados de 2019 em Minas Gerais mostram que, até o momento, os óbitos por suicídio equivalem a cinco anos de óbitos por dengue. Isso em um ano epidêmico no estado, em que os óbitos por dengue já chegam a 132.

“Esse é um tema difícil de abordar, mas que nós, da Vigilância Epidemiológica, consideramos um agravo de grande magnitude no Estado de Minas Gerais e que precisamos encontrar formas de trabalhar sobre o mesmo, para tentar reduzir a morbimortalidade por conta desse agravo”, frisou a diretora de Vigilância de Condições Crônicas da SES-MG, Janaina Passos de Paula.

É preciso falar sobre o tema

De acordo com o psicólogo e doutorando em Cognição e Comportamento pela UFMG, Ronaldo Santhiago Bonfim de Souza, falar sobre suicídio requer muito do profissional. “Uma vez que o tema é visto como um problema de saúde pública, é preciso trabalhar, cada vez mais, com a ideia de redes acolhedoras, composta por profissionais de diversas formações. Esse é o princípio de integralidade do SUS e a pessoa precisa ter livre acesso ao Sistema de Saúde, como os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), assim como a lugares de escuta, como as escolas”, enfatizou. O psicólogo destacou ainda a necessidade de notificar a tentativa de suicídio. “O profissional de saúde deve estar sempre atento aos sinais que as pessoas dão. Isso porque de cada 100 habitantes, 17 têm pensamento suicida, 5 planejam, 3 tentam e 1 é atendida em pronto-socorro. Com uma rede mais atenta aos sinais, esses números podem mudar”, afirmou.

Créditos: Marcus Ferreira

Por fim, Santhiago Souza ressaltou a importância de se falar sobre o tema, ainda tabu entre vários grupos. “A divulgação na mídia é importante. É preciso levar esperança para as pessoas e não métodos de suicídio. Por isso, conversar, acompanhar, buscar ajuda de um profissional e proteger são ferramentas essenciais que tanto contribuem para evitar que a pessoa cometa o suicídio. A sociedade hoje tem exigido uma cultura de sucesso, de realização. Portanto, é preciso abrir espaço para a escuta. Nesse sentido, canais de amparo como o Centro de Valorização da Vida (CVV) – 188 – são essenciais”, completou o psicólogo.

Dados alarmantes

De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o oitavo país em número absoluto de suicídios, registrando, em média, 11 mil casos por ano. Esses dados representam 31 mortes por dia, sendo o número de homens quase quatro vezes maior que o de mulheres e a segunda causa de morte de jovens entre 15 e 29 anos. Já quando se fala sobre tentativas de suicídio, as mulheres aparecem em primeiro lugar. O local de maior incidência das tentativas de suicídio são as residências e o envenenamento sua principal causa.

A referência técnica da coordenação de Saúde Indígena e Políticas de Promoção da Equidade em Saúde da SES-MG, Luísa Azevedo Silveira, esclareceu ainda como os determinantes sociais da saúde, ou seja, a condição de vida da pessoa, sua habitação, trabalho, renda, acesso à educação, lazer, cultura e serviços públicos vão impactar na forma como ela adoece e principalmente em sua saúde mental. “Por isso a importância da estratégia da construção de Políticas de Promoção da Equidade em Saúde, uma vez que vivemos em um estado que abrange diferentes tipos de populações em situação de vulnerabilidade. É preciso, então, que esses grupos acessem a saúde integral de maneira evolutiva e que os profissionais de saúde se atentem às suas demandas e especificidades”, afirmou a referência técnica.

Ainda segundo Luísa Azevedo, os impactos do racismo estrutural podem ser observados no estudo publicado pelo Ministério da Saúde que mostra que, entre os anos de 2012 e 2016, houve um aumento das situações de suicídio na população jovem e negra no Brasil, de 53% para 55%, enquanto que na população branca esse índice diminuiu. Já quando o recorte é feito em populações em situação de vulnerabilidade, como adolescentes LGBT, dados mostram que essa população tem seis vezes mais chance de tirar a própria vida, em relação a heterossexuais, sendo o risco 20% maior de suicídio quando eles convivem em ambientes hostis à sua orientação sexual.

O Seminário foi planejado neste período para abranger o Setembro Amarelo: mês de prevenção ao suicídio, e a Semana Nacional de Trânsito, comemorada anualmente entre os dias 18 e 25 de setembro. Diante disso, os temas a serem abordados foram divididos da seguinte forma: no dia 18/09, foram tratados o suicídio e as tentativas de suicídio: conceito, cenário epidemiológico e abordagem. Já no dia 19/09, o tema será educação para o trânsito: desafios e inovações. Clique aqui e confira a programação completa. O evento, que ocorre no auditório do Departamento de Edificações e Estradas e Rodagem de Minas Gerais (DEER-MG), conta ainda com o apoio do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros Metropolitano e do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte.

Por Ana Paula Brum