Na segunda metade de 2016, a febre maculosa brasileira voltou a ser notícia nos jornais mineiros, depois que uma criança 10 anos foi a óbito devido à doença em Belo Horizonte. Em 2016, foram notificados 17 casos, sendo que sete evoluíram para óbito. Em 2017, até o momento, foram 14 casos, com seis óbitos divulgados pela Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG).

Crédito: Gleisson Mateus

A febre maculosa brasileira é uma doença grave, de notificação compulsória. É causada pela bactéria Rickettsia rickettsii, transmitida por carrapatos do gênero Amblyomma, o carrapato estrela. As riquétsias são bactérias intracelulares obrigatórias, ou seja, que só se replicam no interior das células e, por essa razão, a análise laboratorial é realizada por meio de metodologias comumente utilizadas para o diagnóstico de vírus.

Essa doença pode apresentar um curso clínico variável, desde quadros clássicos a formas atípicas sem exantemas – que são manchas na pele. O início costuma ser abrupto e os sintomas são inespecíficos, como febre, em geral alta, dor de cabeça, dor muscular, mal-estar generalizado, náuseas e vômitos. O tratamento precoce pode evitar as formas mais graves da doença, como explica a referência técnica do Laboratório de Virologia e Riquetsioses, da Fundação Ezequiel Dias (Funed), Ana Iris Duré, acrescentando que a febre maculosa se torna letal devido à patogenicidade da bactéria, que é a capacidade de se reproduzir e de infectar outras células. Nos casos graves, é comum, entre outros sintomas, a presença de edema (acúmulo de líquidos) nos membros inferiores, insuficiência renal aguda, náusea, vômito, dor abdominal e diarreia, assim como tosse, edema pulmonar e meningite. Podem ocorrer manifestações hemorrágicas, como petéquias (pequenas manchas vermelhas sob a pele) e sangramento mucocutâneo, digestivo e pulmonar. “Se não tratado, o paciente pode evoluir para o estágio de torpor e confusão mental, com frequentes alterações psicomotoras, chegando ao coma profundo. Icterícia e convulsões podem ocorrer em fase mais avançada da doença. Dessa forma, a letalidade, quando não ocorre o tratamento, pode chegar a 80%”, explica Ana Íris.

Análises laboratoriais

O Laboratório de Riquetsioses e Hantavirose do Laboratório Central de Saúde Pública de Minas Gerais/Funed é referência regional para o diagnóstico laboratorial da febre maculosa e outras doenças transmitidas ou veiculadas por carrapatos para 17 estados brasileiros da região nordeste, norte, e também Goiás, Espírito Santo e Minas Gerais.

De acordo com Ana Íris, com o intuito de melhorar a resposta diagnóstica das análises, foram adotadas três metodologias diferentes para o diagnóstico laboratorial da Febre Maculosa na Funed: a Reação de Imunofluorescência Indireta (RIFI), considerada padrão ouro pela Organização Mundial de Saúde (OMS), é uma metodologia que pesquisa anticorpos específicos para a febre maculosa, produzidos pelo paciente infectado e deve ser realizado em duas amostras pareadas. A primeira amostra do paciente deve ser colhida sete dias após o início dos sintomas e, a segunda, de 14 a 21 dias após a coleta da primeira. O aumento da resposta imunológica é, portanto, medido e deve subir quatro vezes na segunda amostra em relação à primeira. A segunda amostra é aquela que fecha o quadro.

Já a Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) pesquisa o DNA bacteriano em amostras biológicas do paciente, aplicadas em amostras colhidas antes do início do tratamento com antibióticos ou preferencialmente até o 7º dia do início dos sintomas.

O Isolamento de Riquétsias em Cultura de Células é realizado em amostras biológicas do paciente, e em outros animais hospedeiros no auge da infecção, e do reservatório (carrapato). Essa metodologia tem resposta demorada e sua execução demanda Laboratório de Nível 3 de Biossegurança (NB3). As amostras submetidas ao isolamento devem obedecer aos mesmos critérios exigidos para a análise por PCR.

Ana Íris reforça que existem estudos que demostram uma resposta imunológica tardia na maioria dos pacientes com febre maculosa. Sendo assim, é recomendado começar o tratamento logo após a suspeita clínica da doença, antes da confirmação laboratorial.

Protocolo de febres hemorrágicas

A Funed adota o procedimento da SES-MG de percorrer um protocolo para doenças febris com quadros exantemáticos – fenômenos cutâneos, caracterizados, principalmente, por uma vermelhidão mais ou menos intensa. Nesse caso, as amostras de um mesmo paciente são analisadas simultaneamente para diagnósticos de várias patologias. Por esse motivo, Ana Iris explica a importância do protocolo oferecido pela Funed. “Esse protocolo é aplicado justamente aos casos de pacientes que apresentam um quadro clínico inespecífico, o que proporciona o diagnóstico diferencial de várias doenças com vínculo epidemiológico semelhante”, destaca.

Para que o protocolo de febres hemorrágicas seja colocado em prática, vários laboratórios da Fundação estão envolvidos no processo, como o Laboratório de Doenças Bacterianas, Doenças Parasitárias, Virologia e Riquetsioses. Entre as principais doenças analisadas estão a dengue, febre amarela, hepatites, febre maculosa, hantavírus, leptospirose, podendo ser acrescidas pesquisas de acordo com as informações clínicas. Em Minas, a Funed recebe aproximadamente 100 amostras ao mês que são pesquisadas para em média cinco ou seis testes diferentes.

Informações insuficientes

Ana Iris destaca ainda que um dos entraves durante o andamento das análises, em muitos casos, é a insuficiência de informações repassadas na ficha de investigação própria para cada patologia. “Nem sempre essa ficha está preenchida corretamente, com informações satisfatórias, como início de sintomas e dados epidemiológicos, que podem fornecer subsídios que orientam o profissional do laboratório a escolher a metodologia mais adequada para a situação”, explica.

Entenda o fluxo

As amostras são colhidas na unidade de saúde e encaminhadas para a Funed, sendo recebidas pelo Serviço de Gerenciamento de Amostras Biológicas, onde passam por conferência de temperatura, nome do paciente descrito na amostra e na ficha, se a amostra é a correta para a patologia solicitada, volume de amostra, entre outros critérios. Essa primeira checagem acontece na bancada de conferência. Após esse processo é realizada a numeração, quando há também uma segunda conferência e todas as amostras são numeradas de acordo com o agravo a ser investigado. A terceira ocorre na área de digitação, que realiza a triagem e imprime o mapa de trabalho, para registro das análises realizadas pelo analista do laboratório. Da digitação, as amostras seguem para os laboratórios, que fazem mais uma conferência rápida e iniciam o processo de análise. Ao final da análise, o resultado é inserido no Gerenciamento de Ambiente Laboratorial (GAL) e pode ser impresso na instituição de saúde responsável pelo encaminhamento da amostra biológica para ser avaliado pelo médico e entregue ao paciente.

Por Luciane Marazzi

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